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Já não lembrava



Havia lhe tirado da minha vista, e do mesmo jeito que alguém evita um doce para não engordar, lhe evitei para evitar a fadiga. Mas outro dia lhe vi na rua e acenei sem graça sem saber muito bem se ignorava ou se sorria, e isso foi o suficiente para despertar algo que há certo tempo já não me incomodava.

Não é sobre amor e muito menos caso de paixão contida. Mas é inegável um lampejo de algo que pode ser muitas outras coisas. Meu palpite é a de uma amizade inacabada com saudade de existir. Talvez aquela menina magrela, desajeitada e agressiva que batia no menino e corria como se não houvesse amanhã esteja querendo aquela velha e ingênua alegria de volta, porém a adulta, cega pela idade confundiu alhos com bugalhos. 

Hoje é dia das crianças e acabei relembrando a simplicidade das coisas e do egoísmo com o qual encaramos a vida adulta. Universos e planetas nunca foram distâncias o suficiente para impedir que um pique esconde fosse infinito até que o sinal soasse, mas agora a distância entre nossas cabeças nos impede de procurar, por medo de mais tarde sermos verdadeiramente encontrados e conhecidos.

Saudade do desprendimento, da espontaneidade e acima de tudo, saudade da coragem de enfrentar todos os perigos. Dragões, mãe brava e freiras malvadas, nunca adiaram as brincadeiras, risadas e diversões que me sujassem dos pés a cabeça. Mas agora tudo mudou, é preciso correr da chuva ao invés de dançar, é preciso desviar da poça ao invés de pular e é preciso te evitar, ao invés de abraçar.