Aqui o chamarei de João, nunca soube o nome dele e jamais pensei muito sobre isso. Nunca trocamos nem sequer uma palavra, mas gosto de imaginá-lo como um judeu que vivia sozinho, é formado em alguma área de exatas, tímido e cheio de manias surpreendentes. Cheguei a essas conclusões observando-o ano após ano, primeiro pegando o mesmo ônibus e depois chegando sempre no mesmo horário do trabalho. Ele é um rosto frequente pelo qual desenvolvi afeição, Deus sabe o porquê.
Quando o vi pela primeira vez, a semelhança com o Caco Ciocler me fez prestar atenção e até desenvolver um crush nunca antes confessado. A nossa viagem era longa e algumas vezes assisti-lo se tornou mais interessante que qualquer outro passatempo. Às vezes ele lia algum livro, mas na maioria do tempo, usava fones de ouvido e observava a paisagem com uma cara pensativa. Talvez escutasse a algum rock pesado para contrapor toda a timidez e falta de confiança clara no caminhar, mas poderia ser uma música clássica e assim ele seria mais estranho e centrado do que imaginei.
Bem...eu o vi novamente essa semana depois de algum tempo e muita coisa mudou, ou não.
Ainda no período em que dividimos o ônibus, sempre o reparei muito distante e solitário. Era um daqueles que levava a vida em ponto morto e sinceramente, torcia muito para que ele tivesse alguma atividade secreta na qual pudesse se sentir vivo. Sentado em uma cafeteria próxima, tomava um cappuccino e ficava lá...vendo as pessoas passarem sem nunca encará-las. Será que ele já me notou? Não sei. Mas quando algo mudou nele, eu reparei.
O cara se tornou O último romântico personificado, não sei se as pessoas na fila do pão repararam a felicidade dele, mas eu com certeza reparei. Não demorou muito para que começasse a vê-lo de mãos dadas com a sua versão feminina, suficientemente bonita, por todos os cantos sem nunca desgrudar. Agora o cappuccino não era mais solitário e nas longas subidas de ladeira no retorno para casa, não largava a mão daquela que parecia ter trazido luz e sorrisos para a sua vida. Pois bem, alguns anos se passaram.
Ele ficou grisalho e engordou, essa é uma tendência natural dos homens casados, mas o João dobrou de tamanho consideravelmente e sobre a velha a luz nos olhos, eu já não era capaz de dizer se continuava lá. Voltei a vê-lo sozinho no Café, na ladeira, e quando acompanhado daquela que devo pontuar, não mudou absolutamente nada, as mãos já não estavam coladas. Na verdade, ela andava apressada na frente e ele ia logo atrás com a mesma falta de vida nos passos.
A existência dele me faz refletir sobre o que é amar. Durou mais que um mês ou talvez ainda dure, só que sem o mesmo brilho inicial.Como eu poderia saber? Esse é um sentimento ainda desconhecido que apesar de escrever tanto sobre, não tenho a mínima ideia de como funciona e o menor interesse em me tornar o próximo João. O cara hipoteticamente colocou toda a sua expectativa de felicidade na existência de uma outra pessoa, viveu os anos mais felizes ao lado da mulher que ama, até que descobriu que o vazio que ele sempre sentiu não pode ser preenchido por uma pessoa.
No entanto, vale mais se manter a salvo ou desfrutar desse tempo de plenitude e brilho nos olhos? O que aconteceu com a Amélie Poulain depois de 3 anos de casada?
Fica algumas dicas para a próxima sessão da sua terapia.