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Charles Bukowski, o herói dos idiotas.


É bem comum ver pessoas postando frases e idolatrando um cara que talvez não merecesse toda essa santificação e que não sou escrota o suficiente para dizer que nunca compartilhei desse fascínio ou que nunca dei share em uma das frases impactantes dele. Afinal de contas, ele era um gênio ousado que não se importou com a opinião dos outros. Não é isso o que todo mundo quer ser?
Bem...diferente da maioria que se contenta em ler somente alguns poemas e quotes, a minha atitude foi admirar, procurar saber mais sobre e pegar livros para ler. Óbvio que ler 3 livros do cara não me faz uma especialista, mas me dá muito mais conhecimento que grande parte da galera que jura devoção a um homem que só conhece de nome. Por isso costumo dizer que existem 3 tipo de idiotas apaixonados pelo Charles.
  1.    Que conhece só a fama de velho tarado e compartilha as frases porque acha que parece cult, profundo ou descolado.
  2.    O que leu e se identificou por razões que podem ser complexas demais para esse texto.
  3.     Os que leram somente poesias soltas ou obras menos significativas e não entraram em contato com informações extras que fazem as histórias se encaixarem.

Mas têm aqueles (não idiotas) que amam o escritor puramente pela obra e seu valor literário disruptivo que faz o leitor se confrontar com escatologias, violências e o perfeito perfil do anti-herói que contrapõe todo o sonho americano. O amam por sua escrita “atropelada” e direta que segue a levada do movimento Beatnik que revolucionou lindamente a forma de fazer literatura durante os anos 50/60.

Mas Jés, por que você odeia tanto esse cara?

Primeiramente é bom dizer que eu não o odeio, acho um ótimo escritor (li 3 livros, estou com o 4 na mão e pretendo ler ao menos 5 obras). Diferente do que a maioria das pessoas pensa, enxergo a história dele como uma vida repleta de tristeza, falta de amor, desilusão e solidão. O meu problema não é com ele e sim com as pessoas que se agarram a ele como uma espécie de amuleto inspirador.
Para ficar mais didática, vou citar 2 motivos pelo qual ele era um cara que não faz sentido ser adorado como um grande guru do lifestyle de ninguém e 1 motivo para ser querido como um escritor incrível que realmente foi.

  1-    Que ele era mulherengo machista, todo mundo sabe. Mas tem mais.

A relação deles com as mulheres não tinha nada de saudável, ser mulherengo não é um problema desde que as mulheres envolvidas saibam que são somente transas. O meu caso aqui não é de pudor e vou contar algumas passagens que me deixaram bem desconfortável.
No primeiro livro ele relata o tempo em que trabalhava como carteiro. O nome do livro é Cartas na Rua e no geral é bem legal e não foge do estilo que perdurou até a sua penúltima obra.  Durante o livro ele sempre fala sobre uma casa que ficava na rota de entregas dele, nessa casa morava uma deficiente já madura que vivia presa e costumava gritar quando ele passava. Gritava coisas sem noção, ela tinha problemas mentais e mexia com ele porque era a única pessoa passando na rua, imagino quanto tempo ela ficava sem falar com ninguém, só trancada ali e ansiosa para ver outras pessoas.
Pois bem, na cabeça já madura do Charles ela estava “enchendo o saco” e merecia uma lição. Um dia ele foi lá, estuprou-a e relatou o silêncio dela como uma espécie de consentimento quando a maioria de nós tem plena ciência que a reação corporal mais comum diante de um estupro é “abandonar o corpo”. Depois disso ele se gaba que nunca mais ela gritou quando ele passava.
Já sendo um escritor famoso no livro intitulado Mulheres ele faz um compilado de histórias de mulheres com as quais se relacionou e entre mil passagens no mínimo nojentas, mas que podem ser consideradas ao menos normais, levando em consideração o estilo de vida que ele costumava levar. Ele conta sobre uma garota que levou para casa e que desmaiou no sofá dele. Na cabeça de Charles se ela foi até lá fumar da maconha dele e beber do álcool dele, ela estava devendo o sexo que ele esperava e mesmo com ela apagada ele transou com ela. (leia-se: estuprou) Gostaria de dizer que essa foi a única vez que ele se aproveitou de uma mulher desacordada e relatou  como um ato normal ou exercício de direito. Mas não foi.
Aqui só relatei (alguns) casos de estupro, mas a forma que ele via as mulheres era extremamente degradante em alguns pontos do livro.
Se erguer a bandeira do feminismo para você significa que continuar consumindo materiais de gente que incentiva a misoginia e corrobora com práticas machistas, compartilhar frases dele é no mínimo contraditório.

  2-    Ele não se achava "foda", porque ele não era mesmo. (Mas o que é ser foda?)

O Charles achava que todo mundo era idiota. Era uma pessoa entediada que não gostava de praticamente ninguém e quando sentia que poderia estar gostando um pouco que seja, sentia tanto medo que fugia como se não houvesse amanhã.  Gostava de dizer que estava indo aos lugares somente pelo sexo, mas em vários momentos deixava claro o incomodo que sentia em estar sozinho com ele mesmo. Vivia bêbado por não ser capaz de suportar a vida se estivesse sóbrio e via o seu comportamento autodestrutivo com a indiferença de quem não se importava em morrer no dia seguinte. Não haveria nada para perder e ninguém para deixar para trás. Tanto fazia.
Ele era viciado em corrida de cavalos, fora o sexo, as apostas era a única coisa que conseguia fazer com que se sentisse um pouco mais vivo e era com isso e drogas que torrava todo o dinheiro que recebia das editoras.
Resumindo.  Uma pessoa cronicamente deslocada que não conseguia se conectar com ninguém, que não tinha força e nem vontade de encarar a vida com sobriedade ou responsabilidade e que sofreu até os últimos dias pela morte da única mulher que considera já ter amado verdadeiramente na vida.
Eu não sei você, mas para mim isso parece uma vida bem triste. A não ser que nos outros livros tenha havido alguma virada brusca de comportamento...isso, e um escritor formidável é tudo que eu tenho.

11 -    Ele fez do Henry Chinaski o que o Charles nunca conseguiu ser.

Através da sua escrita direta e extremamente sincera ele conseguiu trazer para dentro do seu universo sombrio e conturbado milhares de pessoas. A falta de conexão que relatei no tópico anterior foi driblada pela escrita e pela coragem de dizer sem o mínimo de pudor aquilo que ele era sem se importar se haveria criticas ou aplausos. Na verdade foi esse estilo “to nem aí” que redeu para ele a fama que até após a sua morte é louvada.
Se todos os casos contados nos livros aconteceram de verdade ou se foram somente licença poética é impossível saber (mas pelo que ele dizia, parecia verdade) e sendo assim, é praticamente impossível julgá-lo como um ser humano detestável. Por mais que sejamos capazes de imaginar coisas bizarras, só podemos ser condenados por atos realizados de fato (a pornografia deixa essa transcendência bem clara). 
Esse texto pode estar um tanto confuso quanto os meus sentimentos em relação ao autor, porque é exatamente assim que me sinto. Fico oscilando entre a repulsa e a admiração, mas o que realmente quero deixar bem claro, é a minha desconfiança sob essa massa de pessoas com prazeres escatológicos que se lambuzam na degradação dos outros. O público vibra com sofredores, com pessoas que se desfazem aos pedaços diante dos olhos dele enquanto suplicam por ajuda e recebem flashes das fotografias de todo o sangue e lágrimas que jorram copiosamente de seus corpos,  veem seus fragmentos sendo louvados como suvenires e palmas que apoiam a sua caminhada para um fim trágico somente para depois esse mesmo público fingir surpresa quando o fim chega.
Nós surramos e crucificamos pessoas para que possamos fazer delas nossos santos.
Um exemplo? Dou dois!  Temos a Amy Whinehouse e a  Miley quando estava claramente na merda e “todo mundo” ficou triste quando ela voltou para o eixo.

Eu queria muito que as pessoas parassem de romantizar a auto-degradação e a desestabilidade psicológica dos outros, mas se esse hábito acabasse o que sobraria? Ainda haveria algo que pudesse ser chamado de arte?

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