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[About Hanna] A notificação.

A cama parecia confortável como nunca. 10 horas da manhã de sábado, alarme tocando pela terceira vez, o sol entrando pela janela e nada disso era suficiente para fazer com que finalmente levantasse. A lista de afazeres era enorme e definitivamente não tinha nada de emocionante.

 As horas iam passando e os lençóis por lavar há duas semanas pareciam ainda mais aconchegantes, até que o celular vibrou. Ainda com toda a preguiça do mundo, alcançou o aparelho que deixava distante por pura estratégia, digitou a senha e ficou encarando aquela solicitação de amizade por mínimo 10 segundos. Era perturbador. Havia passado todo esse tempo desde a grande confusão e agora parecia que o monstro preso no armário corria com uma machadinha atrás dela. O seu coração estava acelerado e não respirar parecia uma opção. O seu dia definitivamente havia começado com o pé esquerdo.

Recusou-se a continuar mexendo no telefone e seguiu com a sua rotina matinal. Escovar os dentes, banho, urina, tudo pareceu muito triste e reflexivo. Até o sol que há 2 horas parecia maravilhoso, àquela altura já estava incomodando e parecia forte demais.

Ela era o tipo de garota que todo mundo amava, girassol tatuado nas costas, um imenso cabelo castanho com uma aparência descuidada e esse extremo amor por itens de couro e roupas largas. Era apaixonada pela vida e do típico tipo livre alternativo, sem grandes surpresas além da sua alergia a maconha. Algumas pessoas poderiam dizer que ela era tão tranquila que incomodava, outras diriam que ela é a melhor amiga que alguém poderia ter, eu digo que ela é do tipo que sofre sem ninguém perceber.

Exatamente isso que ela estava fazendo agora tentando se convencer que o dia estava lindo, mas ciente que o seu maior desejo era voltar pra cama, aceitar a solicitação de amizade e stalkear cada detalhe da vida dele como uma forma de punição por tudo que aconteceu. Logo depois de procurar áudios antigos que tinha deixado salvos no arquivo do e-mail em caso de necessidade de autoflagelo, estava decidido! A programação do dia tinha sido definitivamente atualizada.

- Os sentimentos devem ser vividos integralmente! - Era o que dizia para quem quisesse ouvir. Mas não tinha muito sucesso na execução, o máximo que conseguia era curtir uma fossa tardia e se declarar para as amigas quando estava muito bêbada.

Posto o seu vinil da Aretha Franklin para tocar, meia garrafa de vinho sob a mesa e o notebook no colo, estava pronta! Era o momento de cavar fundo e dar espaço aos piores sentimentos que podem existir. Não demorou muito para estar chorando e afundada nos milhares de “E se” que as lembranças dele proporcionavam. Assim permaneceu por toda a tarde, lendo cada texto, revirando fotos de família e perfis de amigos em comum. A noite caiu, o vinho acabou e seus olhos mal podiam ficar abertos de tantas lágrimas e cansaço.

Ao se deitar lembrou das repetidas palavras da sua mãe: - O que os olhos não veem o coração não sente!- Que grande mentira! Tinha sentindo em cada momento desses 3 anos o peso da possibilidade de um amor não vivido. De um erro de cálculo que implicou no distanciamento definitivo dos caminhos. “E se...?” Ela sempre se pergunta, principalmente quando bate palmas para o sol e sabe que seu casamento seria na praia.

Sobre amores digitais e ilusões potencializadas.

Sabe uma daquelas pessoas que você conhece na balada, tem um papo maravilhoso, ri a noite toda e depois simplesmente nunca mais a encontra novamente? E se encontrar será tudo meio estranho e desconfortável, deixando claro que o tempo da relação já expirou e que só devem permanecer as boas memórias. A internet também tem disso e costuma ser muito mais intenso que com o inesquecível do bus, ou o inteligente da biblioteca.

O digital entrega uma coisa que o contato offline jamais poderá proporcionar. Se sentir confortável e seguro conversando com alguém pessoalmente é infinitamente mais difícil que sentando no seu sofá. Sendo assim, está permitido nos abrir para alguém que (se quisermos) pode sair da nossa vida do mesmo jeito que entrou, não há comprometimento, mas muito se engana quem pensa que não há envolvimento.

Essa é a parte mágica de conversar sem olhar nos olhos, você completa os pedaços que estão ausentes com o que você gostaria de ver ali. Imagina sorriso, entonações e preferências que no fim das contas é só imaginação. Você pode estar conversando com alguém que não toma banho há 3 dias e achando que ela deve ser a pessoa mais sensacional que já conheceu. Essa dinâmica é muito rápida e substitui a atração física que faz uma pessoa continuar falando com a outra por mais de 5 minutos em um ambiente cheio de gente disponível.

Os papos profundos e as confissões que no offiline demorariam de 3 a 5 encontros, no online acontecem em somente 3 madrugadas. O elo de confiança e familiaridade surge bem rápido e no lugar do beijo que aconteceria pessoalmente e daria um ponto final ou as reticências da conversa, vêm as expectativas e os sentimentos ilusórios que fazem você ficar verdadeiramente conectado e se empolgar tanto. Logo começa a imaginar caminhar de mãos dadas com ela(e) em um parque florido. Já assistiu Her!? Pois é!

Eu sou nerd, sei do que estou falando e vi essa história acontecer comigo e com meus melhores amigos algumas centenas de vezes. A probabilidade de dar certo depois que rolar o primeiro beijo offline ou a primeira briga online é muito perto de 0. E tomando como exemplo o melhor filme sobre relacionamento de todos os tempos (Ele não está tão afim de você) estamos muito acostumados a acreditar que só porque aconteceu com a prima da vizinha, com certeza irá acontecer com a gente também. Veja bem... poder até pode, tem gente que conhece o cara ideal esquecendo um sapatinho na balada. Não tem?

Amo a internet e as melhores pessoas que conheci foram através dela, mas a sensação de que os humanos mais legais moram longe, é só porque somos fechados demais nas nossas vidas cotidianas e quase nunca estamos dispostos a ouvir o que as outras pessoas têm a dizer, principalmente quando não as achamos atraentes.

Aqui não existe classe social, aparência, trejeitos irritantes ou uma roupa brega. É um campo neutro onde temos o que de mais legal que cada um pode oferecer, que é a forma como percebe o mundo. Se apaixonar por esses aspectos puros é muita ingenuidade. Já pensou quanto tempo demora pensando no que seria melhor escrever?Com certeza é muito mais que o tempo que leva para falar alguma coisa com um copo de cerveja na mão, fora daqui o filtro simplesmente não existe e ele faz total diferença em quem realmente somos.

Resumindo... Somos 100% a nossa melhor versão por aqui e essa pessoa não existe de verdade. Mas sim, tem 1% de chance de continuar gostando do mesmo jeito depois que finalmente a tocar. 1%