A gente se conhece desde o ensino fundamental, a Lorena é
sem dúvida a minha amiga mais antiga e a mais diferente. Ela não era a mais
feia e nem a mais bonita, mas sempre foi uma das mais espertas, divertidas e
antenadas. Quando estávamos crescendo todo mundo tinha um garoto de quem
gostava e ela também tinha, a diferença é que de um ano para o outro nunca
mudava o alvo da paixonite e que ela nunca se aproximava de ninguém.
O tempo foi passando e cogitamos que fosse assexuada, sempre
gostou dos meninos, mas não queria tocar nenhum deles e entrava em pânico com qualquer investida. Achava amor platônico um
máximo e lia milhares de livros românticos o tempo inteiro. Talvez isso não
tenha feito muito bem pra ela, quem seria capaz de corresponder expectativas
tão altas? Mas sempre adorei ir assistir comédias românticas e comer pipoca na
casa dela e por nada nesse mundo arriscaria esse prazer dizendo que nada
daquilo era real.
Chegamos ao ensino médio e ela era a única a não ter beijado
ainda. Não foi por falta de oportunidade, sempre teve meninos lindos querendo
ficar com ela e, não sei como, sempre dava a mesma resposta sem nem pestanejar.
Pra mim ela era uma incógnita, o resto da classe zombava, mas eu só queria
entender e estar perto para o que precisasse. Um dia ela me disse que as
pessoas não são coisas e que não deveriam ser usadas, disse que o beijo deveria
ser um sinal de sentimento e que até agora não sentia nem amor e nem confiança
em ninguém.
Entramos na faculdade e a minha vida tinha virado festas e
curtição enquanto a dela continuou praticamente a mesma coisa. Talvez por causa
do bullying que sofreu na escola e o complexo de patinho feio que com certeza
tinha, não tenham permitido que se desse conta do quanto era bonita e legal. Por isso, não permitia que as pessoas se aproximasse e continuava com os mesmos
pensamentos de contos de fadas.
Eu a amo como a uma irmã e sempre quis que vivesse mais,
mas não importava o que eu dissesse, ela não conseguia se relacionar nem com
homens e nem com mulheres. Houve o tempo em que ela sentiu muita vontade de
ficar com alguns, mas a religião dela impediu. “Ele usa drogas, não posso ficar”
era o que ela me dizia, mas naquela altura todos nós usávamos drogas, menos
ela.
Aos 25 eu estava no meu segundo relacionamento sério e ela
finalmente me ligou contando que havia beijado um cara. Fiquei feliz por alguns
segundos, mas logo minha alegria passou à medida que me contava quem era o cara
e como foi que rolou. É normal odiar o primeiro beijo, mas o dela tinha que ser
traumático? Já sabia que depois disso não teríamos novas evoluções tão cedo, mas
como sempre ela me surpreendeu.
Depois de muito chorar ela decidiu se juntar a um grupo
chamado “Eu Escolhi Esperar”, não é como se fosse um grande desafio, posso
dizer com tranquilidade que ela poderia ter fundado esse grupo se tivesse
pensado um pouco mais rápido e poderia ser líder do primeiro bonde da
abstinência do Brasil.
Mas amigos, eu não estava convencida. Não é sobre mim e blá
blá blá, mas como uma garota tão legal não poderia desfrutar da sua juventude?
No seu aniversário de 27 anos dei de presente um pequeno vibrador, aparência amigável
e delicada, nada de assustador. Depois de muito gritar comigo e ficarmos 3
semanas sem nos comunicar, ela me ligou dizendo que tinha lido na internet como
usar e experimentou. Uffa! Sinto que cumpri a minha missão de melhor amiga do
mundo. Tudo bem não se relacionar, mas não conhecer um orgasmo, aí já é demais!
Infelizmente ela me disse que só usou uma vez, espero que seja mentira.
Hoje é o aniversário de 30 anos da Lorena e nada mudou. Tenho
a melhor amiga mais rara do mundo! Conheço a última virgem, gata, inteligente e
bem sucedida que tem 30 anos de idade.
Sou a única pessoa fora da família dela com a qual ela fala
abertamente sobre isso, para o resto do mundo a Lorena parece mais escolada e
descolada do que eu. A garota sabe até nome de diretores de filme pornô e pode
tirar milhares de dúvidas práticas de gente que transa desde os 13. Ela me diz
que aprendeu a falar assim para sobreviver. Por exemplo, em um dos seus primeiros
empregos longos, as pessoas desconfiavam do seu jeito recatado e ficavam mostrando pornô pra ela e
dizendo coisas agressivas na intenção de constranger. Quando ela me contou não
pude acreditar, como mulheres poderiam fazer algo assim a outra mulher?
Outro dia conversamos sinceramente sobre o assunto e ela me
disse que está em um ponto sem volta, que o tempo passou sem que percebesse e
que agora era muito mais complicado ter que lidar com isso. Quem acreditaria
que ela é virgem? E como se relacionaria com alguém que não fosse capaz de acreditar
nisso? Contou que nunca se apaixonou ou encontrou alguém que realmente tivesse
vontade, oportunidade e confiança. Sair com alguém sem intenção de transar, hoje
em dia, exige muitos malabarismos que transformam qualquer cara em um chato! “Por
que sou obrigada a ficar me magoando por algo que nem me incomoda tanto assim?”
Disse que está tudo bem e que me incomodo com isso muito
mais que ela.
Ela tem razão. Minha amiga é mais madura e bem resolvida que
eu.
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