Quando eu era uma criancinha, nada era muito claro pra mim.
Tinha muitas perguntas e poucas respostas que quase nunca me deixavam satisfeitas.
Nunca fui apresentada a grandes músicos, ou pintores, ou escritores a não ser
pela escola e imposições me deixavam realmente desconfortável, então costumava
ler, somente as histórias que me cativavam e o resto eu dava um jeito.
Não havia conversa sobre muito além do que era perguntado,
sob tudo, nunca me falaram sobre a minha cor e pra ser sincera eu não lembro
exatamente da minha recepção quando soube que um dia, pessoas como eu eram
escravas e tratadas de maneiras muito feias. Me recordo que por muito tempo fui
a única menina negra na sala e que quando havia esses assuntos referentes a
minha origem, sempre acabavam olhando para mim. Lembro também de ter sido
chamada de feia por toda a minha infância, de dizerem que meu cabelo era feio,
de puxarem minhas tranças e coisas assim, mas não me lembro de encontrar uma
razão para que todas aquelas crianças me tratassem tão mal, acreditei por muito
tempo que era culpa minha.
A pior fase dos maus tratos foi quando morei no interior e
acabei estudando em uma escola de porte mais nobre e pelo pouco que me recordo,
talvez eu fosse a única menina negra na minha turma e esse foi sem dúvida o
pior ano da minha vida escolar. Eu era segunda série e não costumava contar
nada do que me acontecia na escola para minha mãe, já havia contado uma vez,
ela foi me defender e no dia seguinte, foi tudo muito pior. Então daquele dia
em diante eu me acostumei a dizer que tudo estava bem e aproveitava o parque e
a praça para brincar livremente. Não dizia primeiro por vergonha de ser tão
frágil que não conseguia me defender e segundo porque eu não sabia como minha
mãe poderia mudar o fato de eu ser feia e por isso as outras crianças me
odiarem tanto.
Ofensas raciais vinham, coisas bobas que não me deixavam
triste de todo, porque assumia que eu realmente era tudo aquilo, mas me
deixavam esmorecida e desconfortável, sem saber exatamente porque me sentia
daquele jeito. Até que um dia, quando brincava com uma criança bem menor, ele me
disse: Eu não posso brincar com você, você nasceu de noite e eu de dia.
Bem...eu não senti nada. Não saberia o que sentir, foi a
primeira vez que alguém atribuía a rejeição a minha cor, antes só vinha a
rejeição, aquela sinceridade era novidade e de repente vários dos meus algozes
mirins tomaram o meu partido como se nunca tivessem me ofendido se valendo dos
meus lábios ou dos meus cabelos. Não entendi nada. Ganhei por vários anos seguidos a eleição de
menina mais feia da turma e não precisou muito tempo para que acreditasse
naquilo e deixasse que aquela afirmação deteriorasse vários anos da minha vida.
Aquele pequena criança meiga que minha mãe jurava que eu
costumava ser, tinha em pouco tempo se transformado em alguém duro,
independente e extremamente bom de briga. Tinha me tornado um reflexo daquilo que
me fizeram e toda essa ira implacável foi se acalmando com o tempo, mas provavelmente
nunca vai desaparecer por completo e sinceramente, nem eu quero que desapareça.
Foi essa força que durante todo esse tempo fez com que conseguisse ser quem eu
realmente acreditava ser, lutar sempre pelo que achasse certo e escolher meus
próprios caminhos, mesmo que pra segui-los eu estivesse sozinha. Era das alunas mais espertas, mais participativas, uma das meninas que se dedicavam aos esportes e as artes. Nunca deixei que ninguém me excluísse das brincadeiras e se as ofensas vinham, eu rebateria com igual crueldade, mas essa dinâmica cansa e é impossível não passar tempos abatida.
Penso hoje, que talvez se alguém tivesse me dito e me preparado
para saber que não era de mim que aquelas palavras se tratavam, que não eram a
mim que achavam feia ou burra ou inadequada...teria sido muito mais fácil. Entender que aquele ódio, não era problema meu, e sim deles, teria feito da
minha infância muito mais feliz, da minha interação escolar muito menos cruel e
talvez, me feito um ser humano melhor hoje.
Todas as diferenças desencadeiam ódio e opressão, as pessoas
teem medo dos que “saem dos trilhos” e dos que estão mais longe dos olhos e a milhas da tv. Esses benditos padrões que uma vez impostos desqualificam todo o resto, são mais esmagadores do que alguns publicitários com uma formação limitada poderiam imaginar.
Mas uma vez que você toma conhecimento daquilo que o “inimigo” considera sua
fraqueza e se empodera do que outrora lhe destruiria, você tem todo o
poder necessário dado através da sua autoconsciência para se tornar
impenetrável e assim se tornar rei.
Eduquem melhor as suas crianças, sejam sinceros e claros a respeito dos assuntos e assim, eles serão bem mais fortes para lidar com a opressão social que se manifesta cruelmente nas escolas.
UM VIVA PARA AS DIFERENÇAS!
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