PARTE 1
Naquele momento o Jota era a
estrela principal da vida da Ana. Ela estava realmente envolvida e era impossível
determinar como isso era apavorante. Como ela teria parado naquela situação de
novo? Por que estava novamente gostando de alguém que não tinha nada para
oferecer? Não me refiro a recursos materiais e sim as mil conversas que tiveram
na qual se identificaram como meros pixels que não significavam nada e que nem
poderiam vir a significar, já que ambos os lados eram inaptos para o “amor” e
ainda mais para os do tipo digital. Puro drama. Como um plus a tudo isso, o Jota nutria
forte rejeição a uma parte muito importante da vida da Ana que ela preferia
manter fora de campo justamente para evitar se magoar permanentemente.
Resumindo, era uma completa
cilada! A relação era confusa e em grande parte por culpa dela.
Quando pensava racionalmente a
decisão mais assertiva era encerrar aquilo da forma mais sincera e politizada. Estava confusa, ficava triste com frequência e todo aquele ar de “não
correspondido” fez ela se tornar uma pessoa carente e irritadiça. Não era uma
posição que ela quisesse estar, ninguém quer ser aquele que o outro vê
somente porque não está fazendo nada. Por muitas vezes ela insinuou seus sentimentos
e vez após outra foi sutilmente ridicularizada. Ela não merecia e nem estava preparada
para passar por isso novamente. No entanto, quando o responsável pelas as suas
ações era a emoção, costumava quebrar as regras que criara e se contentava com o pouco que ele a oferecia. Por incrível que pareça
ela ficava muito feliz momentaneamente.
Com o Carlos era tudo bem
diferente, mesmo com os beijos presenciais, depois que ele viajou, inicialmente a relação não guardou nenhum peso ou tensão. Eram amigos que se colocavam à disposição
tanto para as pontuações mais simples do dia a dia, quanto para as mais complexas
que demandavam suporte emocional.
Exemplo 1:
- Você gosta de shiitake? - Ele perguntou
- Ahhh...amo! Pq? – Ela disse.
- Morra de inveja, to comendo
agora! – Ele brincou mandando uma foto de um prato oriental repleto de shiitake.
Exemplo2:
- A cara, meu chefe é muito
otário! – Ela desabafou.
- Relaxa que tudo sempre dá
certo! –
- Como você pode saber? –
- Porque eu
conheço você. – Disse Carlos.
Praticamente
não havia complexidade. Os sorrisos eram tirados com facilidade e apesar de se
conhecerem há pouco tempo, já sabiam muito sobre suas famílias, histórias de
vida, amores prévios e dia a dia. Depois de muito compartilharem fotos do
almoço, vídeos do ambiente de trabalho e áudios sobre o quanto se gostavam,
eles resolveram se afastar. Não sabiam
se havia futuro ali e poderiam estar desprezando oportunidades locais para
se debruçarem em alguém que estava muito distante para se tornar algo “real”. Esse foi um pedido dele que ela acatou.
Pausaram a comunicação,
exceto pelas mensagens matutinas falando de notícias do dia anterior e
desejando boas vibes para o dia seguinte, mas depois de um tempo até isso
acabou.
Foi aí que
depois de um período longo sem se falar, ela voltou a “perseguir” o Jota que disse
- Você deve estar muito entediada para
estar falando assim comigo. – e ela respondeu-o um pouco chocada com a
afirmação, mas se fazendo de fria – Não mentiu
–
PARTE 2
O tempo passou
e entre idas e vindas eles tiveram uma conexão diferente que a deixou
especialmente abalada o dia inteiro. Aquela madrugada tinha sido na companhia
exclusiva do Jota onde trocaram áudios inofensivos com efeitos arrebatadores
para ela, depois de conversarem de 3h às 5h da manhã ela mal dormiu e já foi
trabalhar. Ana não sabia que alguém
poderia sentir-se excitada o dia inteiro e entre risos espontâneos durante o
trabalho foi vivendo tranquilamente mais nas nuvens que na terra. Ao meio dia ela teve uma surpresa. Depois de quase um mês sem se falarem
dignamente o Carlos mandou uma mensagem dizendo – Estou aqui te esperando. Vamos almoçar juntos! –
A surpresa dela
não tinha muita relação com felicidade, estava sim feliz em revê-lo, mas entre
as suas pernas havia lembranças constantes de outra pessoa. Quão maluco esse raciocínio
poderia ser? Respirou fundo, se convenceu que uma coisa não tinha absolutamente
nada com a outra e desceu ao encontro de Carlos que estava mais lindo que
nunca. Ela sempre foi apaixonada por homens de cabelo grande e parecia que
havia dado sorte, além de lindos, os cabelos dele tinham mechas brancas. Não
poderia ser mais sexy.
Ao se verem,
eles sorriram e se abraçaram como nunca fizeram antes. Ana, que já estava
sensível, sentiu as suas pernas tremerem ao ter seu corpo completamente
pressionado contra o dele e seus braços fortes envoltos em sua cintura fina. Ela
era capaz de sentir o coração dele bater mais rápido e quando se deu conta havia
ganhado o maior e mais intenso beijo da sua vida. Era tanto desejo que sentiu
até dor, uma dor tão intensa que não queria parar nunca mais de ser beijada,
bem ali, na entrada do seu trabalho e de frente para o mar. Quando finalmente
se separaram não havia mais fôlego para ela e muito menos efeito para o
protetor diário, que nesse momento parecia ter sido invadido por todo aquele
mar da vista em frente. Ele falava, mas ela entendia pouco, demorou certo tempo
para ela encontrar novamente o eixo e participar ativamente da conversa.
- Vamos comer
aqui mesmo? – Ele perguntou.
- Vamos! – Ela respondeu.
Nunca esteve
tão vulnerável e não se sentiu capaz de saber o que fazer com isso.
Durante o
almoço eles conversaram sobre vários assuntos e com o tempo ela foi relaxando
ao ponto que tudo ficou como antes, leve e cortês. Em dado momento do encontro ele ficou
encarando-a em silêncio, ela tentou não falar nada e decidiu esperar que ele
parasse naturalmente, mas exatamente como no dia em que se conheceram, ele não
parecia intimidado com o desconforto causado e muito menos com o enfrentamento
dela. Ele simplesmente sorriu com os mesmos olhos brilhantes de sempre e finalmente
perguntou:
– Você me vê no seu futuro?-
- Como assim, no
meu futuro? Ocupando um lugar especial ou simplesmente estando nele?- Ela
respondeu.
- Não sei.
Nesse momento, como me vê?-
- Você é alguém
que me faz muito bem e que gostaria de manter para sempre perto. – Ela respondeu.
Ele sorriu como
quem tivesse ouvido algo que o fez feliz e se concentrou em terminar a sua
comida. Depois disso, não foram ditas muitas coisas e logo se despediram com um
amigável beijo na bochecha.
PARTE 3
Naquela madruga
ela não procurou o Jota e nem conversou com o Carlos. Ela só queria dormir em paz.
Restabelecida
das emoções, parecia que tudo tinha voltado ao normal. Durante o dia eram
conversas triviais com o Carlos e durante a noite ela procurou novamente o
Jota, com as mesmas intenções de antes. Dessa vez ela estava cheia de ideias e
esperava o empolgar tanto quanto se sentiu empolgada anteriormente. Ele estava
ocupado, mas ela havia decidido esperar por ele e quando já estava quase
perdendo para o sono ele apareceu. A noite não foi como ela imaginou e ainda
recebeu doses e doses de deboche de quem parecia acreditar tê-la em uma posição
de submissão e vulnerabilidade. Ana se sentiu muito estranha, tinha concordado
em baixar a sua guarda e ficou bem desapontada quando notou isso ser usado
contra ela, mas o dia seguinte seria um novo dia e nele manteria distância do
Jota até que a raiva passasse.
Logo cedo foi
surpreendida com um longo áudio do Carlos falando sobre como foi importante
para ele tê-la conhecido e como tinha conseguido transferência para trabalhar na cidade dela permanentemente. O áudio de quase 2 min foi seguido da frase: - Quer namorar comigo e ver no que dá?- Sem
ter muito no que pensar, ela respondeu quase que de imediato. – Sim!-
Ela estava
feliz e no decorrer do dia foi surpreendida com uma atitude no mínimo inesperada
de uma pessoa que nunca iniciava conversas e sempre se colocava em uma posição
passiva. O Jota havia mandado um áudio feliz e eloquente, propondo em outras
palavras que deixassem o que estava acontecendo rolar. Um ano se passou e
somente agora ele se sentiu estimulado a deixar ela ficar por perto, somente agora
que o sexo realmente começou a entrar na equação. Ela não sabia como se sentir
em relação aquilo, queria o sexo, mas só queria aquilo? Por um lado, parecia alguém feliz com a possibilidade de
conseguir uns nudes e por outro, poderia ser a chance de criar alguma coisa
bacana entre eles, que apesar de tantas horas conversando, não sabiam
praticamente nada sobre a vida um do outro. Mas e o Carlos? Continuar com o
Jota, não faria dele uma espécie de Ricardão digital? O resultado de toda essa confusão foi ela ter
ouvido o mesmo áudio por no mínimo 40 vezes durante todo o dia, não
respondê-lo até que chegasse a madrugada e tivesse coragem de explicar como
tudo havia ficado diferente. Agora tinha um namorado.
Na verdade,
nada dentro tinha mudado. Jota e Carlos ocupavam lugares bem diferentes, mas todo
o comportamento do Jota parecia estranho. Confiança nunca foi uma palavra presente na
descrição dessa relação e então para ela agora tudo tinha acabado. Deveria ter terminado assim, sendo gentis e civilizados, mas a Ana não sabe fechar portas sem quebrá-las e
foi exatamente isso que ela fez.
A tentação de ficar com ele novamente nunca
foi embora, então era preciso criar um afastamento que estivesse fora das mãos
dela violar. Lembra que ela não sabe gerenciar pessoas? Pois bem, ela também não sabe
gerenciar os próprios sentimentos e utilizando de tudo que conquistou com o
Jota durante um ano, se apropriou da fragilidade dele a ponto de fazê-lo nunca
mais querer falar com ela. Achava que assim seria mais fácil superar algo que só tinha acontecido em sua cabeça. Que engano...
CONTINUA NO
PRÓXIMO CAPÍTULO...