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Fica comigo hoje?

Hoje é um daqueles dias em que ela o procuraria com a fala mole e andar macio
Dos dias em que acorda como humana e adormece como felina
Fruto da água, luz do sol ou do vento que vinha da praia
Alguma magia transformava o seu pensar em sentir
Ao entardecer de dias assim, se fazia mais gata que mulher
Antes do encanto se acabar estaria enroscada nas pernas dele
Diria o que a humana jamais se lembraria
Sozinha e sem solidão, se aproximava sem cerimônia.
Quer ser meu dono só hoje? Ela ronronava.
Quer esquecer que está bravo? Ela propusera.
A felina mendigava carinho, se realizava, ronronava em gratidão e desaparecia livre como nasceu.
Mas agora era diferente, nem a gata e nem a mulher o encontraram.
A gata hoje irá adormecer cantando para estrelas e tentando seduzir o luar.
A humana acordará com a falta de alguém que nunca esteve.



Palavra pequena com significado amplo e capaz de coordenar todo o seu modo de compreender o mundo.

Ter fé é acreditar em algo que não dá sinal de que vai acontecer ou que contrarie todas as evidências que se tem nas mãos. É fechar os olhos, entregar os seus passos e caminho na mão daquele que já te conhecia antes mesmo de nascer e mesmo com medo de cair, se manter firme sabendo que a sua vida está muito bem guardada.

A arrogância de um coração jovem que acredita saber exatamente o que deseja do seu futuro e ter calculado de forma impecável cada passo que será dado, nunca é capaz de prever os tropeços escondidos em cada curva e muito menos de se erguer tão rápido de cada queda. Para alguns é mais fácil, mas para outros é preciso muita dor para compreender que infelizmente nem tudo sai como o planejado e que não importa quanto sangue e suor você colocar em um projeto, se no final ele simplesmente não era para ser.

É vivendo que se aprende a viver e confiando que se percebe que o volante da sua vida, merece um condutor melhor que você. Quantas vezes acreditamos cegamente em alguma coisa e somente depois, quando chegamos ao alto da montanha que parecia impossível, tomamos distância o suficiente para perceber que não estávamos tão absolutamente certos quanto pensávamos estar?

A fé existe tranquilamente sem a religião. Se acreditar com força em algo que parece de certo modo improvável, você já está exercendo a sua fé. Pode ser em você mesmo, no ser humano, na natureza, as possibilidades são infinitas. Ser ateu não lhe impede de ter fé e desejar muito que algo aconteça motivada somente pela força do pensamento, inclusive acho muito fofo quando ateus convictos me aparecem como uma dessas e dizem que só estavam desejando com muita força. Mas não é disso que se trata esse texto.

Para mim a fé é um dom que vem do alto. As pessoas geralmente pensam que acreditar em Deus e se esforçar para seguir a palavra dele lhe imputa automaticamente um espírito manso e contrito, mas não é nada disso. A melhor comparação que já ouvi é que o nosso espírito é como um cavalo bravo resgatado de um lar destruído se adaptando ao novo ambiente, que luta todos os dias para se manter selvagem e no controle do seu próprio caminho mesmo sabendo que não há lugar melhor que o seu novo lar e que não precisa mais se debater, pois está tudo bem.

Sou um verdadeiro cavalo bravo que pela fé entrega as suas rédeas a quem conhece o caminho melhor que eu jamais poderei conhecer, mas não pense nem por um segundo que essa entrega não é dolorosa ou que nunca há vontade de fugir e fazer tudo do meu jeito. O ser humano tem afeição pela autodestruição e cria seus monstros como pequenos animais de estimação, estragar cada sonho e promessa que fiz pra mim mesma é uma tentação constante.

A sua estrada terá pedras, mas elas não serão capazes de te parar, haverá montanhas que com as mãos feridas você conseguirá transpor e lagos fundos e revoltos onde quase você irá se afogar. Não pense nem por um segundo que estou falando de uma escolha fácil. Já pensou em passar por uma cirurgia que irá salvar a sua vida, só que sem nenhum anestésico? É disso que eu estou falando.

O mundo é um vício, o poder é entorpecente e a fé é o antídoto que te ajuda a caminhar sem olhar para trás. Talvez o seu objetivo inicial nunca seja alcançado, mas o valor da sua jornada e o do ponto de chegada dificilmente algum dia poderão ser questionados, porque ao seu lado você teve o melhor de todos os guias e o amor dele por você é tão grande que será tudo você precisa. O nome desse guia é Jesus, recomendo.


Vai ser SIM ou NÃO?


Conversando com uma amiga, percebi que é muito comum encontrar pessoas que têm facilidade de dizer sim para tudo. Elas são capazes de aceitar qualquer coisa só porque dizer não requer desgaste em explicações ou até mesmo na relação. O “não” é mal visto, defensivo e às vezes até ofensivo. Dizer “não” para alguém exige firmeza e pé firme o suficiente para resistir e não entregar o que a outra pessoa quer, mesmo que ela insista ou tente enfraquecer seus argumentos por chantagens emocionais bobas.

De um lado existe uma população inteira de pessoas que só sabem dizer sim e que são movidas pelo medo dos efeitos de uma negativa. Do outro lado existem alguns gatos pingados que morrem de medo de dizer que sim, para eles consentir alguma coisa é muito mais complicado que negar e ter a escolha de manter o seu universo inalterado.

O “sim” é uma palavra revestida de coragem e com efeitos transformadores. Imagine tudo que um consentimento pode acarretar, pense em tudo que pode acontecer quando você finalmente aceita se abrir para o mundo e explorar as mil possibilidades de braços abertos. Pode rolar muita coisa boa, né? Mas e o tanto de coisas ruins que podem acontecer? Você simplesmente ignora? É essa nuvem de questionamentos pessimistas que paira sobre a cabeça do time dos gatos pingados que adoram dizer que não.

Se dizer “não” é preservar algo como está, mesmo que esteja ruim. É manter portas fechadas. É ser egoísta com os outros e com você. É estar ausente mesmo quando pode estar presente. É se privar de si e privar o outro de algo que talvez ambos quisessem. É medo.
Então dizer “sim” é revolução, mudança de estado. É possibilidades infinitas. É entrega e comunhão. É dividir, ser, estar e amar. Dizer sim é um ato de coragem.
Mas aqui temos uma visão tendenciosa de quem assim como a maioria dos seres humanos acredita que a grama do vizinho é mais verde. Para quem tem pavor das incertezas contidas no sim, quem se entrega com tanta facilidade só pode mesmo ser um herói. Mas para quem se entrega tanto, com tanta frequência que se vê abusado constantemente por quem se aproveita da sua boa vontade, poder dizer não é o mais próximo de um grito de liberdade.
Todo mundo tem as suas prisões pessoais e a cada um cabe achar a chave para a sua liberdade, seja dizendo não para o medo e sim para vida ou dizendo não aos outros para que finalmente possa dizer sim para si.

O inominável e o futuro


Logo eu, que acredito que saber o nome dos oponentes me confere poder e domínio sobre eles, não sou capaz de proferir o nome de quem em breve liderará o meu país. Pra mim é como falar um palavrão dos piores e isso é bem engraçado, já que apesar do meu posicionamento religioso, não falo cinco frases sem a presença de um palavrão de cunho sexual.

EU TENHO MEDO DELE e não entendo como alguém com o mínimo de escolaridade pode não ter. Já falei algumas vezes sobre política aqui e nesse momento a minha vida nunca esteve tão inundada em discursos de políticos, ideologias, insatisfações e questionamentos sobre o futuro. Questionar e temer o meu futuro sempre foi minha rotina, mas me preocupar com o futuro dos que me rodeiam e até mesmo com o de gente que eu nem conheço é completamente novo.

Acredito que há um perigo real e certo bem diante de nós. O inverno que tanto diziam que estava chegando, inesperadamente, irá alojar-se no Brasil em Fevereiro. Depois de muito refletir, sentir pânico e me isolar para inspirar e expirar, me dei conta que não estamos sozinhos. Eles sempre nos odiaram e nós sempre estivemos aqui, resistindo. Para que eu existisse e pudesse digitar esse texto para vocês, eles passaram por desafios iguais e até bem piores que esse que teremos pela frente. Nós também somos capazes, mas me pergunto: A qual custo? 


Primeiramente nos calaremos.
Sim. A gente vai se calar por ser a escolha mais inteligente a fazer. Não desejamos morrer, queremos mudanças, mas ninguém em sã consciência si dá ao carrasco como um completo idiota.  Aprender a tolerar será necessário, não dá pra confiar em quase ninguém e as suas palavras nunca tiveram tanto potencial destrutivo como estão prestes a ganhar. Mas não se engane, calar-se não é a mesma coisa que omitir-se.

Depois disso voltaremos para as gaiolas.
Sempre fomos forçados pelas conveniências sociais a sermos um pouco falsos, mas agora não é só questão de salário, é questão de segurança. Xingar pessoas mentalmente e esfregar a pele como se a quisesse arrancá-la por abraçar alguém que desprezamos com toda a alma. Pensar uma coisa e dizer outra completamente diferente com tanta frequência, que com o passar do tempo isso nos levará a explodir ou a nos perder de quem realmente somos.

Não sei mais que isso, não consigo prever como será.
Sempre li diários de guerra, distopias e livros históricos e uma das coisas que aprendi é que cada episódio acontece de uma forma diferente. Depende do povo, da época e do lugar. Não tenho spoilers e essa é a pior parte. Como se preparar para o desconhecido, que de um jeito ou de outro, você sabe que será doloroso? Ninguém quer sofrer e a maioria de nós negará a si mesmo quantas vezes for necessário para evitar que o pior aconteça. O contrário disso é burrice, a irmã mais feia da coragem.

Devo alertar para que não se assuste, algumas pessoas se unirão ao “mal” como forma de sobrevivência e por acreditarem que colhendo os benefícios, ficará mais fácil de encarar a dor. Outras pessoas não terão todo esse raciocínio e somente irão escolher o lado que parece mais forte. Quem eram os capitães do mato, senão negros que escolheram estar do outro lado do chicote? Até que ponto isso é ruim? Como julgar essas pessoas sem que seja por um prisma idealista e irreal? Podemos julgar? Como podemos dizer que eles não sofreram por ser odiados por um lado e pelo o outro? E o mais importante, como não criar um rancor tão grande que nos torne parecidos com eles?

Demorei a escrever por medo de ser crime em 2020, por não saber exatamente o que dizer a respeito, por estar na fase da esperança infundada, estar no momento do pesar e do medo que questiona sem palavras.

Vamos aguardar.



Vou muito bem sem você, obrigada.

No começo achei que a dor seria tanta que não daria conta de manter a cabeça erguida. Afinal, rastejar por afeição é um hábito do qual ninguém deveria se orgulhar. Fraquejei e me arrependi tanto que esse tropeço foi o suficiente para obter forças para percorrer o resto do caminho.
Ouvindo áudios velhos? Sim.
Visitando a rede social? Sim.
Revisitando referências próprias da gente? Sim.
Assistindo série que você indicou e morrendo de vontade de ir comentar? Claro! Não há progresso sem dor! (vulgo No Pain, No Gain)

Apesar de ter tomado a decisão de cortar os laços por impulso, hoje consigo ver que foi o melhor para a gente, na verdade, o “a gente” talvez só existisse dentro da minha cabeça. E deixo claro que gosto muito de colocar essa possibilidade em dúvida porque desse jeito fica menos deprimente, mas se tem uma coisa que aprendi com comédias românticas é: “Se ele gosta de você ele vai dizer e se ele te quer, não deixará dúvidas sobre isso.”

Tudo está bem! Impressionante a capacidade que os humanos têm de se adaptar e mais incrível ainda é a capacidade de se apegar de forma dolorosa a alguém que se torna um hábito, alguém que funciona como o choque para os ratinhos entediados, uma fonte de sentimentos bons e ruins que você recorre sempre que deseja sentir alguma coisa. Like a drug!

O nome desse comportamento é dependência emocional.
Aprendi esse conceito semana passada, li um livrinho e percebi que ele define grande parte das minhas histórias relatadas nesse blog. Basicamente é você encontrar alguém e se apegar tanto a essa pessoa que acaba misturando tudo até se tornar intenso, doloroso e com o tempo, tóxico.

Ninguém é imune a esse tipo de comportamento, mas algumas pessoas possuem mais propensão. Essa fragilidade se deve às experiências acumuladas durante a vida ou até pela forma que lidam com a sociedade, mas também pode surgir de um momento pontual de vulnerabilidade. A verdade é que pessoas solitárias, tímidas ou com longo histórico de exclusão ou bullying têm muito mais facilidade para encarar amigos ou parceiros como tábuas de salvação. Elas acabam se perdendo na relação e definindo a sua existência e alegrias através desses terceiros que podem ou não endossar esse tipo de comportamento.
Surgem então, atitudes bizarras como: Ciúmes, mentiras para chamar atenção, divisão exagerada de problemas, manipulação, controle sobre a vida do outro e todo o tipo de coisas que vemos o tempo inteiro vinculadas aos relacionamentos abusivos.

Concluí que você pode acabar se tornando abusivo com a outra pessoa por medo de que ela vá embora e,por outro lado, você pode acabar permitindo que uma pessoa seja má com você por puro medo de ficar sem ela. Pelos casos que li, a tendência é seguir uma ladeira abaixo infinita, até o ponto em que uma mulher permite-se apanhar e permanecer do lado do seu agressor por acreditar que não haveria “life after love”.

Pretendo continuar lendo sobre isso, aprendendo mais e mais sobre o assunto e entender como preencher essas faltas que acabamos involuntariamente delegando para pessoas que não possuem essa obrigação com a gente. Estou bem, muito bem!
Costumo dizer que chamar as coisas pelos seus nomes, lhe imputa um poder tremendo no combate a elas, e assim, vamos vencendo uma luta após a outra!

E se você reaparecer do nada...Bem...Vou ficar imensamente feliz e infinitamente triste.



[About Ana e o amor] Capítulo 5 - O dia do eclipse.

Parte 1

Havia um mês desde o sim e o Jota não existia mais. O Carlos já havia se mudado e sempre que possível ia almoçar com ela ou buscá-la no trabalho para que passassem mais tempo juntos. Em pouco tempo ele estava presente em tudo que dizia respeito a Ana e sem que percebesse, a acompanhava durante todo o dia, online ou presencialmente.

Em um desses dias eles saíram para jantar a pedido dele, foram para um restaurante diferente e mais distante. Durante o jantar ele sempre dava um jeito fitá-la como no primeiro dia, eles conversavam sobre a vida, sobre o trabalho e quando chegou o momento de falar sobre o futuro Carlos começou a demonstrar ideias que a deixaram no mínimo intrigada. Ele falava sobre casar, ter filhos, sobre como cuidaria dela e como ela não precisaria mais trabalhar.

Ele era cristão e ela apesar de ser afastada da igreja e ter um comportamento controverso, mantinha as raízes da fé vivas dentro dela. Na verdade, foi esse um ponto que aproximou muito a Ana do Carlos. Ela nunca tinha tido a chance de se envolver com alguém que compartilhasse suas crenças e sempre foi muito solitário ter que guardar para si coisas que a faziam ser quem é e ter as escolhas que tem. As pessoas do seu convívio sempre a acusava de ser sonsa ou mentirosa por causa das renúncias que fez pela fé e para driblar a rejeição, forçava comportamentos mais mundanos, se condicionando a falar de coisas que nunca fez ou que nem sabe se realmente acredita. Dentre as mil horas que passavam juntos ele nunca havia demonstrado ser um fanático ou radical, somente oferecia o conforto de estar com alguém que a entendia sem questionamentos ou deboche.

Com o tempo, toda essa presença foi deixando Ana desconfortável. Ela gostava da solidão e como uma típica introvertida sempre precisou dela para recarregar as baterias emocionais. Agora ela saía quase todos os dias depois do trabalho e aos finais de semana passava praticamente o dia inteiro ao lado dele. A imposição da presença em todos os momentos estava começando a se tornar um fardo, ela precisava conversar sobre isso e acreditou que o final de semana na casa de praia da família dele poderia ser o ambiente perfeito.

A casa era linda e tão grande que a igreja costumava usar para os retiros anuais. Passariam dois dias lá e isso é muito mais do que Ana já passou sozinha com um rapaz. Mochila nas costas e encantamento nos olhos, ela não sabia que a família do Carlos era “bem de vida”, ele não falava muito sobre isso e ela sempre achou que fossem de classe média, assim como os dela. Ele a apresentou a cada cômodo da casa, rodaram os 5 quartos, os 3 banheiros, as 2 salas, a piscina, a varanda, o quintal,  a entrada particular para a praia e terminaram na cozinha.  Ana sentou-se no banco alto da bancada e lá tinha uma visão panorâmica de tudo, amava homens que cozinhavam e ele sempre fazia pratos surpreendentemente gostosos. Costumava dizer que morar sozinho o fez muito bem e que ela só não sabia cozinhar porque permanecia eternamente na aba da mãe. Talvez usasse palavras mais sutis, mas era dessa forma que ela entendia e por isso nunca cozinhou nada para ele.

Parte 2

A refeição seria moqueca de peixe e enquanto ele temperava e fazia as coisas mais complicadas, ela ficou encarregada de cortar os legumes seguindo as instruções dele. Enquanto cortava algumas folhas, ele se aproximou por trás, abraçou-a intensamente, beijou-a demoradamente no pescoço e após uma leve fungada disse:

- Muito bom te ter aqui. – sussurrando ao pé do ouvido, como quem conta um segredo.

Mesmo sendo inesperada, não tinha classificado a atitude como ruim, ela tinha ficado não excitada que a faca escorregou das suas mãos e com mais alguns segundos de afagos, estaria completamente rendida. Permeada de dúvidas, preferiu não falar nada até que ele a puxou subitamente pela mão dizendo:

- Vem! Eu quero te mostrar uma coisa! –
- Mas eu ainda não terminei aqui... – Ela respondeu enquanto era guiada para longe da bancada.
- Tá tudo quase pronto, daqui a pouco a gente termina! – Respondeu carinhosamente, enquanto a puxava atravessando a sala e se dirigindo para o quintal.

Chegando lá, sentou na rede e fez um gesto a convidando para juntar-se a ele. Ela sentou ao seu lado e ficou esperando que dissesse o que gostaria de mostrar, sem demora ele apontou para uma série de gaiolas que tomavam quase toda a parede, nelas tinham os mais diferentes tipos de passarinhos, mas nenhum parecia raro ou contrabandeado. Ele deitou na rede e conduziu o corpo dela a fazer o mesmo, ficaram de frente para as gaiolas como em um observatório mais confortável. Ele aninhou-se por trás, envolveu os braços na cintura e encostou os lábios na nuca de Ana, que se arrepiou inteira quando ele começou a contar a história de cada um dos passarinhos roçando os lábios na sua nuca. Quando estava perto de revelar a origem do último, as mãos de Carlos tomavam rumos proibidos pelo corpo dela e ao mesmo tempo em que a respiração ficava mais pesada e os gemidos escapavam vez ou outra, ela sentia que não era o momento e para se afastar do perigo disse:

- Eu acho melhor a gente ir preparar o peixe, eu já estou com fome. – Se levantou e caminhou em direção a cozinha.
-Vai terminando de cortar que eu ainda vou ficar mais um pouco aqui. – Ele respondeu.
- Tudo bem, não demora que eu tô com fome – Ana disse enquanto desaparecia pela porta.

Parte 3

Algum tempo se passou, todos os legumes estavam cortados e ele nunca voltou da varanda. Pensou que talvez ele estivesse dormindo e no intuito de não incomodar, resolveu ir assistir um pouco de televisão na sala principal. Quando chegou lá, a sua mochila estava aberta e Carlos estava com o seu celular nas mãos. Não precisou se aproximar muito para ouvir a voz do Jota ao telefone. Ela mal podia acreditar no que estava acontecendo. Ele estava ouvindo os áudios salvos de conversas antigas com o Jota e ela paralisada de medo e raiva, somente observando enquanto ele violava a sua privacidade e revirava momentos de intimidade que vieram antes dele.

Ao sentir a presença dela, ele se virou e não se intimidou por ter sido pego. O olhar dele não tinha a mesma luz que antes e a voz saía com uma aspereza que ela jamais tinha ouvido antes.

- Quer dizer então que ele te deixava louca? Como você disse mesmo? Com tesão? – Enquanto ele falava e se aproximava com agressividade, ela continuava imóvel. 

- Durante todo esse tempo a gente não tinha nada para você ficar se masturbando como uma cachorra no cio por um bizarro qualquer na internet!? Eu queria me casar com você! – Ele gesticulava freneticamente, mas não gritava e isso era o mais assustador, a voz dele atingia Ana como em um pesadelo do qual ela já tinha lido muitas vezes sobre o final.

- Você não tem nada para me dizer? Com essa voz de vagabunda! Como é mesmo? – Ele começou a imitá-la reproduzindo frases ditas para o Jota com violência e deboche.

Sem dizer uma só palavra, Ana afastou-se dele e com as lágrimas inundando o seu rosto, pegou a mochila sob a mesa e o celular sob o sofá. Nesse meio tempo ele falava ofensas aleatórias e dizia baixarias que aparentemente tinha imaginado fazer com ela. Quando ela se aproximou da porta de saída, ele mudou o tom procurando se acalmar e disse:

- Você não tem nada para me dizer?

Ana ainda de costas, limpou as lágrimas do rosto, virou na direção dele, olhou-o fixamente nos olhos e disse:

- Acabou.

Parte 4

A casa era praticamente no meio da estrada, de um lado mar e do outro mato. Não tinha sinal no celular e o próximo ponto ficava a aproximadamente 2Km. Nada disso foi o suficiente para fazê-la querer voltar para lá. Ana foi andando pela beira da estrada e a medida em que anoitecia o ponto parecia estar cada vez mais distante. Quando já conseguia avistá-lo ao longe, o carro do Carlos se aproximou e começou a acompanhar os seus passos devagar. Ela estava com medo, sentia que ele poderia matá-la ou fazer coisas piores ali mesmo. Não teria como pedir ajudar ou gritar por socorro, não conseguiria se defender, tudo que tinha comido era algumas barras de cereais que tinha na mochila e bebido um pouco de água. Estava fraca, dolorida e muito cansada. Depois de alguns minutos somente a acompanhando, ele baixou o vidro do carro e ficou olhando para ela, estava tentando recriar o mesmo brilho de antes, mas o seu feitiço não surtiu efeito algum, ela nem se quer tinha olhado para ele e caminhava como um soldado em direção a guerra, desejando loucamente chegar o mais rápido possível aquele ponto. Ele quebrou o silêncio dizendo.

- Ana, entra no carro! – E sem obter resposta, repetiu.
- Ana, entra no carro! Eu perdôo você.

Ela não podia acreditar que estava ouvindo aquilo, a voz dele fazia o corpo dela tremer e sem nem olhar para o lado, os passos foram ficando cada vez mais rápidos. Mais uma vez sem resposta ele apertou com força a buzina e assustada ela parou a poucos metros do ponto. Novamente ela tinha congelado e agora o encarava tentando não mostrar o pânico que estava sentindo. O ponto de ônibus vazio e mais uma vez ele disse:

- Entra no carro! Eu te trouxe. Eu vou te levar de volta.

Ela ficou parada, calada e olhando para ele.

- Não adianta você fazer esse número de santa magoada, eu já sei quem você é de verdade! Entra logo no carro antes que eu vá te buscar!

Ana continuou imóvel e dentro dela só havia oração e um coração disparado. Foi nesse momento que o ônibus chegou como uma verdadeira boia de salvamento,
ela não pensou nem dois segundo antes de correr e pular como um gato para dentro. Ela não sabia da onde veio forças ou energia para simplesmente correr e entrar no ônibus antes que ele conseguisse descer do carro. Era um milagre.

Sentada e segura ela só sabia chorar. Chorou a viagem inteira, chorou no ponto seguinte e ao entrar no segundo ônibus já não tinha mais lágrimas ou bateria no celular e então dormiu.

Parece que há pessoas nesse mundo que são forjadas para a solidão.

FIM.


[About Ana e o amor] Capítulo 4 - Entre o dia e a noite.

 PARTE 1

Naquele momento o Jota era a estrela principal da vida da Ana. Ela estava realmente envolvida e era impossível determinar como isso era apavorante. Como ela teria parado naquela situação de novo? Por que estava novamente gostando de alguém que não tinha nada para oferecer? Não me refiro a recursos materiais e sim as mil conversas que tiveram na qual se identificaram como meros pixels que não significavam nada e que nem poderiam vir a significar, já que ambos os lados eram inaptos para o “amor” e ainda mais para os do tipo digital. Puro drama. Como um plus a tudo isso, o Jota nutria forte rejeição a uma parte muito importante da vida da Ana que ela preferia manter fora de campo justamente para evitar se magoar permanentemente.

Resumindo, era uma completa cilada! A relação era confusa e em grande parte por culpa dela.

Quando pensava racionalmente a decisão mais assertiva era encerrar aquilo da forma mais sincera e politizada. Estava confusa, ficava triste com frequência e todo aquele ar de “não correspondido” fez ela se tornar uma pessoa carente e irritadiça. Não era uma posição que ela quisesse estar, ninguém quer ser aquele que o outro vê somente porque não está fazendo nada. Por muitas vezes ela insinuou seus sentimentos e vez após outra foi sutilmente ridicularizada. Ela não merecia e nem estava preparada para passar por isso novamente. No entanto, quando o responsável pelas as suas ações era a emoção, costumava quebrar as regras que criara e se contentava com o pouco que ele a oferecia. Por incrível que pareça ela ficava muito feliz momentaneamente.

Com o Carlos era tudo bem diferente, mesmo com os beijos presenciais, depois que ele viajou, inicialmente a relação não guardou nenhum peso ou tensão. Eram amigos que se colocavam à disposição tanto para as pontuações mais simples do dia a dia, quanto para as mais complexas que demandavam suporte emocional.
Exemplo 1:
- Você gosta de shiitake? - Ele perguntou
- Ahhh...amo! Pq? – Ela disse.
- Morra de inveja, to comendo agora! – Ele brincou mandando uma foto de um prato oriental repleto de shiitake.
Exemplo2:
- A cara, meu chefe é muito otário! – Ela desabafou.
- Relaxa que tudo sempre dá certo! –
- Como você pode saber? –
- Porque eu conheço você. – Disse Carlos.      
                                         
Praticamente não havia complexidade. Os sorrisos eram tirados com facilidade e apesar de se conhecerem há pouco tempo, já sabiam muito sobre suas famílias, histórias de vida, amores prévios e dia a dia. Depois de muito compartilharem fotos do almoço, vídeos do ambiente de trabalho e áudios sobre o quanto se gostavam, eles resolveram se afastar.  Não sabiam se havia futuro ali e poderiam estar desprezando oportunidades locais para se debruçarem em alguém que estava muito distante para se tornar algo “real”.  Esse foi um pedido dele que ela acatou. 

Pausaram a comunicação, exceto pelas mensagens matutinas falando de notícias do dia anterior e desejando boas vibes para o dia seguinte, mas depois de um tempo até isso acabou.

Foi aí que depois de um período longo sem se falar, ela voltou a “perseguir” o Jota que disse - Você deve estar muito entediada para estar falando assim comigo. – e ela respondeu-o um pouco chocada com a afirmação, mas se fazendo de fria – Não mentiu

PARTE 2

O tempo passou e entre idas e vindas eles tiveram uma conexão diferente que a deixou especialmente abalada o dia inteiro. Aquela madrugada tinha sido na companhia exclusiva do Jota onde trocaram áudios inofensivos com efeitos arrebatadores para ela, depois de conversarem de 3h às 5h da manhã ela mal dormiu e já foi trabalhar.  Ana não sabia que alguém poderia sentir-se excitada o dia inteiro e entre risos espontâneos durante o trabalho foi vivendo tranquilamente mais nas nuvens que na terra.  Ao meio dia ela teve uma surpresa.  Depois de quase um mês sem se falarem dignamente o Carlos mandou uma mensagem dizendo – Estou aqui te esperando. Vamos almoçar juntos!

A surpresa dela não tinha muita relação com felicidade, estava sim feliz em revê-lo, mas entre as suas pernas havia lembranças constantes de outra pessoa. Quão maluco esse raciocínio poderia ser? Respirou fundo, se convenceu que uma coisa não tinha absolutamente nada com a outra e desceu ao encontro de Carlos que estava mais lindo que nunca. Ela sempre foi apaixonada por homens de cabelo grande e parecia que havia dado sorte, além de lindos, os cabelos dele tinham mechas brancas. Não poderia ser mais sexy.

Ao se verem, eles sorriram e se abraçaram como nunca fizeram antes. Ana, que já estava sensível, sentiu as suas pernas tremerem ao ter seu corpo completamente pressionado contra o dele e seus braços fortes envoltos em sua cintura fina. Ela era capaz de sentir o coração dele bater mais rápido e quando se deu conta havia ganhado o maior e mais intenso beijo da sua vida. Era tanto desejo que sentiu até dor, uma dor tão intensa que não queria parar nunca mais de ser beijada, bem ali, na entrada do seu trabalho e de frente para o mar. Quando finalmente se separaram não havia mais fôlego para ela e muito menos efeito para o protetor diário, que nesse momento parecia ter sido invadido por todo aquele mar da vista em frente. Ele falava, mas ela entendia pouco, demorou certo tempo para ela encontrar novamente o eixo e participar ativamente da conversa.
- Vamos comer aqui mesmo? – Ele perguntou.
- Vamos! – Ela respondeu.

Nunca esteve tão vulnerável e não se sentiu capaz de saber o que fazer com isso.

Durante o almoço eles conversaram sobre vários assuntos e com o tempo ela foi relaxando ao ponto que tudo ficou como antes, leve e cortês.  Em dado momento do encontro ele ficou encarando-a em silêncio, ela tentou não falar nada e decidiu esperar que ele parasse naturalmente, mas exatamente como no dia em que se conheceram, ele não parecia intimidado com o desconforto causado e muito menos com o enfrentamento dela. Ele simplesmente sorriu com os mesmos olhos brilhantes de sempre e finalmente perguntou:
– Você me vê no seu futuro?-
- Como assim, no meu futuro? Ocupando um lugar especial ou simplesmente estando nele?- Ela respondeu.
- Não sei. Nesse momento, como me vê?-
- Você é alguém que me faz muito bem e que gostaria de manter para sempre perto. – Ela respondeu.
Ele sorriu como quem tivesse ouvido algo que o fez feliz e se concentrou em terminar a sua comida. Depois disso, não foram ditas muitas coisas e logo se despediram com um amigável beijo na bochecha.

PARTE 3

Naquela madruga ela não procurou o Jota e nem conversou com o Carlos. Ela só queria dormir em paz.

Restabelecida das emoções, parecia que tudo tinha voltado ao normal. Durante o dia eram conversas triviais com o Carlos e durante a noite ela procurou novamente o Jota, com as mesmas intenções de antes. Dessa vez ela estava cheia de ideias e esperava o empolgar tanto quanto se sentiu empolgada anteriormente. Ele estava ocupado, mas ela havia decidido esperar por ele e quando já estava quase perdendo para o sono ele apareceu. A noite não foi como ela imaginou e ainda recebeu doses e doses de deboche de quem parecia acreditar tê-la em uma posição de submissão e vulnerabilidade. Ana se sentiu muito estranha, tinha concordado em baixar a sua guarda e ficou bem desapontada quando notou isso ser usado contra ela, mas o dia seguinte seria um novo dia e nele manteria distância do Jota até que a raiva passasse.

Logo cedo foi surpreendida com um longo áudio do Carlos falando sobre como foi importante para ele tê-la conhecido e como tinha conseguido transferência para trabalhar na cidade dela permanentemente. O áudio de quase 2 min foi seguido da frase: - Quer namorar comigo e ver no que dá?- Sem ter muito no que pensar, ela respondeu quase que de imediato. – Sim!-

Ela estava feliz e no decorrer do dia foi surpreendida com uma atitude no mínimo inesperada de uma pessoa que nunca iniciava conversas e sempre se colocava em uma posição passiva. O Jota havia mandado um áudio feliz e eloquente, propondo em outras palavras que deixassem o que estava acontecendo rolar. Um ano se passou e somente agora ele se sentiu estimulado a deixar ela ficar por perto, somente agora que o sexo realmente começou a entrar na equação. Ela não sabia como se sentir em relação aquilo, queria o sexo, mas só queria aquilo? Por um lado, parecia alguém feliz com a possibilidade de conseguir uns nudes e por outro, poderia ser a chance de criar alguma coisa bacana entre eles, que apesar de tantas horas conversando, não sabiam praticamente nada sobre a vida um do outro. Mas e o Carlos? Continuar com o Jota, não faria dele uma espécie de Ricardão digital?  O resultado de toda essa confusão foi ela ter ouvido o mesmo áudio por no mínimo 40 vezes durante todo o dia, não respondê-lo até que chegasse a madrugada e tivesse coragem de explicar como tudo havia ficado diferente. Agora tinha um namorado.

Na verdade, nada dentro tinha mudado. Jota e Carlos ocupavam lugares bem diferentes, mas todo o comportamento do Jota parecia estranho. Confiança nunca foi uma palavra presente na descrição dessa relação e então para ela agora tudo tinha acabado. Deveria ter terminado assim, sendo gentis e civilizados, mas a Ana não sabe fechar portas sem quebrá-las e foi exatamente isso que ela fez. 
A tentação de ficar com ele novamente nunca foi embora, então era preciso criar um afastamento que estivesse fora das mãos dela violar. Lembra que ela não sabe gerenciar pessoas? Pois bem, ela também não sabe gerenciar os próprios sentimentos e utilizando de tudo que conquistou com o Jota durante um ano, se apropriou da fragilidade dele a ponto de fazê-lo nunca mais querer falar com ela. Achava que assim seria mais fácil superar algo que só tinha acontecido em sua cabeça.  Que engano...

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

[About Ana e o amor] Capítulo 3 - O outro é como a Lua

Ele era basicamente uma luz muito brilhante na escuridão. Você não consegue saber o motivo, como ou onde brilha, mas algo nela atrai com tanta força que você continua caminhando em sua direção sem chegar nem um metro mais perto.


Ana o conheceu em um dos mil grupos de app em que entrou. Na mesma época deve ter entrado em no mínimo 5 grupos e saído de todos em menos de uma semana , nesse ela permaneceu  somente para continuar ouvindo os áudios que sempre a faziam rir ou sentir extrema vergonha alheia. - Quem é esse cara?- Ela repetia para si mesma.

O Jota tem uma lista de adjetivos intermináveis: Falante, inteligente, engraçado, talentoso, levava uma vida alternativa e era amado por todo mundo. Como alguém pode não gostar de um cara desse?  Eles se aproximaram quase naturalmente, talvez ela tenha se esforçado um pouco para chamar a atenção dele até que um dia ele finalmente a notou:

- Oi, eu nunca tinha te visto por aqui. Tudo bom?- Ele disse.

Ela respondeu - Entrei tem pouco tempo mesmo. –

- Seja bem vinda! – Ele a recepcionou com algumas semanas de atraso, mas começou a dar mais atenção para ela, mesmo com a multidão de mensagens que costumavam chegar.

Um tempo se passou e depois de descobrir alguns assuntos em comum ele achou plenamente natural mandar uma revista pelo correio e para isso a chamou no PV somente para perguntar qual era o endereço.  Por incrível que pareça desde o primeiro momento ele nunca foi verdadeiramente simples e sempre demandou bastante cuidado no trato. Qualquer passo em falso poderia ser mal interpretado e até no momento de pedir o endereço foi tudo bastante estranho, bem no estilo “Se não quiser eu não mando!”

Apesar de toda essa fragilidade totalmente oposta ao jeito que Ana costuma lidar com as pessoas e a forma que ela costuma encarar a vida, os dois continuaram conversando dias e noites seguidas. Rapidamente dormiam conversando e acordavam se falando. Interessavam-se por tudo que se referia ao outro, dividiam histórias de alegrias e tragédias e dentro de um mês as coisas para ela foram ficando intensas e confusas. Toda essa conexão rápida assustou ambos os lados que resolveram se distanciar para preservar a pouca saúde mental que ambos admitiram diversas vezes ter.

Ana sempre gostou de desafios e seres humanos que "brilhavam como estrelas" sempre a atraiu. Não demorou muito para essa distância ser desrespeitada vez após outra em diferentes espaços de tempo. Era como um vício andar no escuro e tentar alcançar alguma coisa daquele que ás vezes nem parecia ser real. Depois de tanto tempo ele a tratava como uma estranha e a machucava sem esforço ou remorso algum, mas a fazia sorrir com uma facilidade ainda maior.

Tratos de distância foram feitos incontáveis vezes e todos foram quebrados por parte dela. Ele parecia não importar-se, sempre esteve no pedestal dele, sempre na escuridão solitária que não demonstrava interesse nenhum em ter companhia ou deixar de ser a porra do mistério que tanto a atormentava.

As diferenças se tornaram precipícios até que uma nova ponte surgiu quando parecia não haver mais nada. As madrugadas voltaram a unir os dois que agora testavam cuidadosamente novos limites e pouco a pouco iam descobrindo novas sensações em estar juntos. Ela não sabia se era alvo de deboche e muito menos se era correspondida, mas quando aceitou baixar a sua guarda ela realmente o fez e estava curtindo intensamente essa rota inesperada.

Não havia aparências e nada mais que duas pessoas se pondo uma para a outra e disparando gatilhos, nem sempre prazerosos.  Parece que acreditou que somente ele precisava de cuidado no trato e isso pode ter estragado tudo.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

[About Ana e o amor] Capítulo 2 - Um é como o Sol.

Era um dia como qualquer outro quando Ana o conheceu, mas não tão trivial quanto ela gostaria. Depois do expediente teria que ir a festa de uma revista,  não estava muito empolgada, mas estava linda. Apostou no kit básico: tubinho preto, coque baixo e praticamente nenhuma maquiagem. Não esperava nada daquela festa a não ser comer bastante, algumas risadas, besteiras com as amigas do trabalho e ir embora antes de dar meia noite.

Quando toda a equipe chegou ao evento, não teve quem não olhasse para o trio que havia se aproximado. Ana e suas amigas formavam uma espécie de clube da beleza e já estavam casadas de ouvir comentários como “só trabalha gente bonita com vocês?”.  Sentaram-se juntas e como era de hábito, Luísa foi socializar com as outras pessoas na mesa, Andrea era educada, linda de morrer e observadora e Ana nem mesmo tinha sentado e já havia metido a cara no celular.

A mesa era bem grande e caberia até 10 pessoas, depois de alguns minutos conversando com um grupo aleatório no Whats, Ana levantou a cabeça, se viu rodeada de pessoas e encontrou um olhar preso nela que não se intimidou ao ser surpreendido. Debochada ela disse: “Posso ajudar em alguma coisa?” Ele sorriu. O sorriso dele era como o sol e no olhar não havia malícia e sim doçura. Naquele momento o mundo parecia ter ficado em silêncio e a impressão é que só existia eles dois por um intervalo de 5 secs que foi abruptamente interrompido pelo Chefe de Ana, provavelmente temendo algum atrito.

- Ana, esse é o Carlos. Nós estávamos falando de você alguns minutos atrás e você nem percebeu.

Ela respondeu:
- É? E exatamente sobre o que estavam falando.

- Sobre como você não larga o telefone -  brincou o chefe  – Ele tem acompanhado o seu trabalho nas redes da empresa e elogiou bastante.

Ana olhou novamente para Carlos e ele parecia que nunca tinha tirado os olhos brilhantes de cima dela, constrangida acenou com a cabeça e disse:
- Muito obrigada! Gosto muito desse cliente e faço toda a comunicação com o maior prazer.

De imediato ele respondeu:
- Dá pra perceber pela forma que escreve e como sempre traz novas referências bacanas para o publico interagir. Eu particularmente interajo bastante e fico contente em conhecer com quem falava todo esse tempo.

- Desculpe. Você é Carlos de quê? – Ela indagou.

- Carlos Savoya. Não sei se vai lembrar, mas conversamos muito no post sobre Games Of Thrones. – Ele estendeu a mão como quem finalmente tem a chance de se apresentar formalmente.

- Ahhhhh... Claro que lembro! Você é muito viciado! Vi a série inteira, mas acompanhar as suas referências foi muito difícil! – Ela disse cheia de empolgação, enquanto correspondia o aperto de mão com tanta firmeza quanto necessário.

- Sério!? Eu achei que você foi muito bem!  - Falou antes de dar um gole no seu drink.

- Eu só vi o show, nunca li nenhum dos livros... – ela disse.


E assim começou uma conversa que a levou a sair de lá 2 horas da manhã, tomar uma bebida com álcool por engano e rir como jamais poderia imaginar que sorriria naquela noite.  Eles tinham autores, séries, filmes e um infinito de coisas em comum, mesmo sendo tão diferentes. Depois de indicar um livro chamado [E] que por coincidência ela já tinha, mas nunca havia lido, saíram da festa com o trato de lerem juntos e compartilhar as impressões que teriam.

Quando chegou em casa a sensação de Ana era a de ter vivido uma noite maravilhosa que jamais iria se repetir. Tinha sido tão foda e cansativo que dormiria como uma pedra sem sombra de dúvidas, mas antes de se deitar, tirou da prateleira o livro que havia combinado com Carlos sem ter nenhuma esperança de realmente compartilhar impressão alguma. Ele pegou o seu telefone, mas ela não anotou o dele corretamente de propósito e achou que assim fosse ser melhor.

Uma semana depois ele entrou em contato via wpp e foi aí que tudo começou.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

[About Ana e o amor] Capítulo1 - Dividir-se nunca foi tão difícil

Poderia ser noite, poderia ser dia. Se estivesse chovendo ela também não saberia dizer. Aquele ambiente era neutro de tal forma que somente o Mark era capaz de vê-los e sabê-los. No começo foi tudo muito distante e superficial, tratava-se somente de reviver uma sombra e revirar a hipótese de como seria se o ambiente fosse outro.

O tempo foi passando e a necessidade de ser por inteiro foi crescendo de uma maneira que ela não estava nem um pouco acostumada.  A ideia de que o encontraria assim que a madrugada chegasse a acompanhava durante 24h  pondo-lhe sorrisos inesperados no rosto mesmo nos momentos mais bostas do dia, bastava uma lembrança que o brilho voltava aos olhos e formigamentos invadiam-lhe as pernas.

Ana sempre preferiu a distância e a segurança pouco confiável das relações instáveis, tudo ia muito bem com o Jota até que ele voltou. Ele é um outro cara que havia desaparecido e ela não poderia dizer que tinha achado ruim.  A relação com ele era diferente, era real de uma forma que ela nunca tinha vivido antes. Enquanto esse relacionamento era um desafio dos melhores, com o Jota ela já imaginava como terminaria.

As pessoas costumam dizer que Ana é fria e distante, um tanto chata, julgadora e até mesmo metida e arrogante.  Ela já ouviu essas opiniões tantas vezes quanto quão divertida e maravilhosa ela é. A grande questão é que ela nunca teve a capacidade de dividir-se entre muitas pessoas, sempre foi para poucos e a ideia de estar rodeada de muita gente demandante por afeto a angustiava loucamente.

Ela demora a misturar-se, demora para gostar e demora a deixar de desconfiar.
Ele foi apresentado em um ambiente que nunca a deixou confortável e onde as pessoas não se sentiam confortáveis com ela, mas ele sentiu-se em casa, de repente foi como se não houvesse mais ninguém a mesa com eles, a conversa ficou íntima e tão paralela quanto era possível rodeados por 10 pessoas.  

No primeiro dia foram só risadas e compatibilidade inesperada como também tinha acontecido com o Jota.
O segundo dia só aconteceu uma semana depois, quando todas as piadinhas do escritório já haviam acabado e em um ambiente muito mais familiar para ela que para ele.  A um clique ele contava piadas e falava sobre como foi o seu dia, a outro clique ela se esforçava como sempre por aquele que impôs mais distância que ela e a tratava com certa má vontade.

Os terceiro e quarto encontros passaram voando e os beijos já começaram a se desenvolver naturalmente, ela estava confiando e confiante, mas sempre rola um “porém” nessas histórias da vida real. Ele é mais velho, melhor sucedido e a empresa dele o chamou de volta. Apesar de serem da mesma cidade, ele só estava de passagem e o tempo deles já estava acabando. Naquele ponto ela jurava que tinha razão em não ter se dado tanto, não poderia durar, coisas boas nunca duram assim.  A relação também não foi muito longe no digital, é diferente quando você conhece a pessoa pessoalmente e já gosta dela. Para eles pareceu melhor não continuar, poderia ser muito doloroso e por maturidade ou medo, resolveram parar de se falar tanto.

Nesse meio tempo Ana não conseguia parar de pensar no Jota, aquele que fazia as suas pernas tremerem em momentos inoportunos. Na verdade, foi nesse período que ela descobriu que ele era capaz de causar todo esse efeito.
O tempo passa muito rápido, as coisas mudam mais rápido ainda e quando ela estava curtindo descobrir as novas propriedades daquela relação, ele voltou.  
Voltou de vez. “E agora?” Ela se perguntou.
Ana não sabe dividir-se, sempre teve crushes longos e sempre um por vez. Preferia os amores platônicos. Entre dividir-se e correr o risco de perder um pedaço de si e guardar-se da forma mais egoísta e segura, a segunda opção sempre pareceu a mais óbvia.
Mas pqp, ele voltou!
A realidade era uma coisa nova e cheia de surpresas, ele era muito bom em surpreender, inclusive foi exatamente isso que aconteceu quando a pediu em namoro depois de quase 1 mês de conversas curtas e sem relevância. Tinha pedido transferência do trabalho no mesmo período que a conheceu, no fundo sempre soube que teria continuação, quem não sabia era ela que o considerou o mais próximo do que já viveu de um amor de verão.

“Quer ser minha namorada e ver no que dá?” ele perguntou.
“Sim!” ela respondeu.

O celular piscou e o outro disse:
“Que tal ultrapassar mais alguns limites?”
“E agora?” ela pensou.

Como uma pessoa tão adaptada a solidão poderá lidar com todo esse tumulto?

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO...